CLAMIDIOSE FELINA



A clamidiose felina é a afecção mais associada a quadros de conjuntivite nos gatos(particularmente a crônica), sendo o seu agente etiológico isolado em mais de 30% dos animais que apresentam oftalmopatias. É caraterizada por intensa inflamação e secreção ocular.

ETIOLOGIA

A Chlamydophila felis é uma bactéria cocoide, intracelular obrigatória e gram-negativa, muito prevalente em colônias e abrigos de alta densidade de gatos, particularmente criatórios de raças puras(gatis). Os animais acometidos são, na maioria, gatos jovens, particularmente com idade abaixo de 1 ano.

A transmissão de anticorpos pelo colostro protege os filhotes entre o primeiro e o segundo mês de vida. A duração da imunidade natural ou vacinal ainda é incerta, mas há relatos de que gatos previamente infectados são vulneráveis à reinfecção após um ano ou mais.

FISIOPATOGENIA

A Chlamydophila felis não sobrevive no meio externo ao hospedeiro, portanto a transmissão requer contato direto entre fonte de infecção e suscetível, a partir das secreções oculares(principais vias de eliminação do agente).

A interação social dos felinos, relevando-se os hábitos de autolimpeza e higienização mútua, são importantes fatores de transmissão. Os gatos infectados eliminam o agente pelas secreções oculares por 60 dias(alguns entre 6 e 9 meses), a partir da infecção. Alguns animais podem se tornar permanentemente infectados.

Os tecidos-alvo são as mucosas, particularmente a conjuntiva, comprometidas por dois possíveis mecanismos patogênicos:

  • Efeito citopático direto da replicação do agente nas células conjuntivas
  • Efeito indireto, proporcionado pela liberação de subprodutos tóxicos do agente
Mesmo sem causar sintomas sistêmicos, a Chlamydophila felis pode ser encontrada em diversos tecidos do organismo, inclusive no trato reprodutivo, o que explica a necessidade de terapia antimicrobiana sistêmica nos casos de clamidiose, já que a bactéria pode ser eliminada por outras secreções não oculares.

SINAIS CLÍNICOS

As manifestações clínicas da clamidiose variam individualmente, de acordo com:

  • A idade e a imunocompetência do indivíduo infectado
  • O comprometimento tecidual
  • A virulência da cepa
Raramente há sintomas sistêmicos associados. Eventualmente, febre e falta de apetite podem ocorrer. O comprometimento das cavidades nasais decorre do escoamento de secreções infectadas pelo ducto nasolacrimal, podendo determinar sintomas de rinite.

Após um período de incubação de 2 a 5 dias, iniciam-se manifestações oculares, sob a forma de secreção ocular unilateral que, geralmente, torna-se bilateral após 1 a 2 dias. A secreção, inicialmente serosa, torna-se mucosa ou mucopurulenta, sendo desenvolvida uma conjuntivite severa, com:

  • Hiperemia
  • Congestão e quemose das conjuntivas palpebrais(característica clínica mais importante)
  • Congestão e quemose da terceira pálpebra
  • Desconforto ocular
Quemose e hiperemia conjuntiva (E). Três semanas após tratamento(D)

DIAGNÓSTICO

É basicamente presuntivo, pela associação dos sintomas à falha vacinal, com histórico de contactantes sintomáticos e doença imunossupressora de base. Pode ser realizada avaliação citológica de esfregaços de conjuntiva mas esse é um teste com baixa sensibilidade devido ao número restrito de microrganismos contidos nos swabs conjuntivais.

Inclusões de Chlamydophila felis


A identificação de Chlamydophila felis por PCR tem sido a melhor alternativa na atualidade, devido à alta sensibilidade da técnica.

Os swabs oculares, obtidos a partir do saco conjuntival, constituem o material de escolha para pesquisa do agente. Recomenda-se uma boa execução da coleta, pois o agente é intracelular, sendo necessário, portanto, material celular na amostra. Para tanto, sugere-se a utilização de anestésico tópico.



Os testes sorológicos(ELISA) são particularmente úteis para estabelecer se a infecção é endêmica na colônia, bem como para investigar casos de doença ocular crônica.

TRATAMENTO

O tratamento é indicado para atenuação dos sintomas e eliminação do estado de portador.

Inicia-se antibioticoterapia tópica associada à terapia sistêmica. O tratamento exclusivamente tópico promove melhora clínica, mas permite a recidiva em curto período de tempo.

Os princípios ativos possivelmente utilizados para o tratamento sistêmico da clamidiose são:

  • Doxiciclina e amoxicilina potencializada com ácido clavulânico
  • Azitromicina(alguns autores a recomendam como uma boa alternativa)
  • Enrofloxacina(apresenta eficácia clínica)
Alguns estudos experimentais demonstraram que alguns gatos - submetidos a PCR - mantiveram-se positivos após o tratamento com enrofloxacina.

Para o tratamento tópico, são os mais recomendados:

  • Colírios e pomadas à base de tetraciclina
  • Eritromicina
  • Cloranfenicol
As pomadas de tetraciclina se mostraram superiores às demais formulações em diferentes estudos, devendo ser administradas de 3 a 4 vezes ao dia, durante 2 a 4 semanas( até 10 dias após o desaparecimento completo dos sintomas).

Em gatis com infecção endêmica, a premissa é iniciar o controle por meio do tratamento de todos os gatos(sintomáticos ou não), a fim de eliminar o agente. O tratamento por 4 semanas com doxiciclina é recomendado, mas algumas colônias requerem tratamento por 6 a 8 semanas, para eliminar a infecção natural.

SAÚDE PÚBLICA 

Nas últimas décadas, tem-se alegado a especificidade do agente por hospedeiros e não há evidências epidemiológicas que confirmem um risco realmente significante de transmissão zoonótica.

Nenhum dos relatos existentes de doença respiratória humana causada por Chlamydophila felis, até o presente momento, confirmou que esse é um agente etiológico. Há um relato de conjuntivite humana causada por Chlamydophila felis em um paciente HIV-positivo.

Os proprietários de felinos(principalmente os imunossuprimidos) devem ser alertados quanto às práticas higiênico-sanitárias frente aos cuidados de um animal com clamidiose, como usar luvas, lavar as mãos e desinfetar superfícies e utensílios.

PROGNÓSTICO

Na ausência de complicações, a evolução é bastante favorável. Alguns pacientes evoluem para o óbito, em decorrência de complicações pulmonares. Em geral, são animais muito jovens ou imunossuprimidos ou com comorbidades.

PROFILAXIA

Todos os métodos profiláticos cabíveis devem ser empregados na tentativa de minimizar a infecção ou, ao menos, a morbidade relacionada ao agente da clamidiose em felinos domésticos.

Sabe-se que a vacinação por si só não garante plena prevenção contra a infecção ou o estabelecimento de estado de portador, mas apenas contra o desenvolvimento de doença grave. 

Faz-se necessária uma conjunção de ações como programas estratégicos de vacinação, correção do manejo higiênico-sanitário, minimização da densidade populacional, identificação e isolamento e tratamento adequado de animais portadores.

A vacinação é a principal forma de controle da clamidiose.

Comercialmente, no Brasil, existem as vacinas tríplice, quádrupla e quíntupla. Apenas a tríplice não imuniza contra a Chlamydophila felis. As vacinas quádrupla e quíntupla são bastante eficazes contra a manifestação clínica da clamidiose.

Recomenda-se a vacinação em animais com risco de exposição ao agente, particularmente em grandes agregados e criatórios e colônias, mesmo que pequenos, com histórico prévio de clamidiose.

A vacinação rotineira de gatos de estimação tem sido questionada, considerando-se que a clamidiose é uma doença tratável que não representa risco à vida.

Para gatos imunossuprimidos, recomenda-se a utilização de inóculos inativados.


FONTE:

Del Barrio MAM. Complexo respiratório felino.  In: Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais; De Nardi AB, Roza MR, organizadoes. PROMEVET Pequenos Animais: Programa de Atualização em Medicina Veterinária: Ciclo 1. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2016. p. 43-80. (Sistema de Educação Continuada à Distância; v.4).


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