CINOMOSE
A partir de 1930, a cinomose passou a ser conhecida em suas formas clínicas e etiológicas. Na primeira metade do século XX, a cinomose foi considerada uma das doenças mais comuns em cães de todo o mundo.
Durante séculos, as infecções pelo Morbilivirus, gênero ao qual pertence o vírus da cinomose, têm tido imenso impacto na vida de humanos e animais. Entre os carnívoros, o vírus da cinomose causa sérias enfermidades em várias espécies, selvagens e domésticas. Mesmo sendo controlada com vacinação em cães domésticos e animais de cativeiro, a cinomose é uma doença de difícil erradicação.
Em regiões endêmicas, como no Brasil, é crescente o número de mortes de cães vítimas de cinomose. Além disso, a cinomose tem sido considerada como re-emergente em países onde já esteve controlada.
Embora a vacinação seja amplamente utilizada, e a cinomose encontre-se controlada, casos esporádicos ainda ocorrem, e um grande número de mutações é encontrado no vírus, tornando futuras transmissões imprevisíveis. Portanto, a vigilância para a cinomose deve ser considerada na população de macacos e nos humanos que entram em contato direto com cães.
DEFINIÇÃO
A cinomose é uma enfermidade infectocontagiosa, causada por um vírus que manifesta apresentações clínicas gastrentéricas, respiratórias, dermatológicas e neurológicas, principalmente em cães.
A cinomose pode apresentar evolução clínica aguda, subaguda e crônica. Sua encefalite é classificada em:
- Encefalite do cão jovem
- Encefalite multifocal de cão adulto
- Encefalite do cão velho
ESTRUTURA VIRAL
O vírus da cinomose pertence à família Paramyxoviridae, gênero Morbilivirus, e apresenta relação antigênica com o vírus do sarampo, da peste bovina e da peste de pequenos ruminantes. Esse vírus possui diâmetro variável(150-250 nm), com genoma constituído por uma fita simples de ácido ribonucléico(RNA).
RESISTÊNCIA VIRAL
O vírus da cinomose é sensível a éter e solventes lipídicos, como álcool, sabões e detergentes. Torna-se instável ao potencial hidrogeniônico(ph) inferior a 4,5 e é inativado pelo calor; porém, depende de tempo e temperatura, como, por exemplo, 1 hora a 55ºC e 30 minutos a 60ºC.
Em climas quentes, o vírus da cinomose não sobrevive nos canis após enfermos terem sido retirados, pois é viável apenas por 1 hora à temperatura de 20ºC e por 20 minutos nos exsudatos.
Na rotina clínica, preconiza-se a amônia quaternária a 0,3% durante 10 minutos, que também pode ser utilizada para outros agentes etiológicos.
TROPISMO VIRAL
O vírus da cinomose é pantrópico; porém, existem diversas cepas, algumas mais neurotrópicas e virulentas do que outras. Os tecidos acometidos são derivados do folheto embrionário ectoderma, como epitélio respiratório, epitélio gastrentérico e sistema nervoso central(SNC).
EPIDEMIOLOGIA
Todos os vírus da cinomose pertencem ao mesmo sorotipo. As várias cepas isoladas produzem afecções com durações e sinais clínicos distintos: algumas causam enfermidade de mediana patogenicidade, enquanto outras causam enfermidade aguda, altamente mortal, com ou sem encefalite aguda. Outras, ainda, causam encefalite tardia, após doença branda, ou até mesmo após a recuperação da forma aguda. Há ainda cepas que levam muito tempo para exteriorizar seus efeitos encefalitogênicos, como o que ocorre na encefalite do cão velho.
A cinomose pode ocorrer em qualquer época do ano, mas, no inverno, há elevação na ocorrência da enfermidade.
A idade de maior incidência da cinomose nos cães coincide com a época em que diminui a taxa de anticorpos maternos passivamente transmitidos, isto é, entre 60 e 90 dias de idade, demonstrando a relação entre susceptibilidade e idade; porém, o vírus pode acometer animais de todas as idades.
Mais de 50% das infecções são subclínicas ou com sinais clínicos moderados, ou seja, a taxa de infecção é maior do que o número de animais que manifestam a enfermidade, estimando-se em até 75% nos cães suscetíveis que eliminam o vírus sem qualquer sinal clínico da doença.
A transmissão da cinomose ocorre principalmente por aerossóis e gotículas contaminadas com partículas virais em secreções respiratórias, fezes e urina.
PATOGENIA
Durante a exposição natural, o vírus da cinomose propaga-se por gotas de aerossóis e entra em contato com o epitélio do trato respiratório superior. No período de 24 horas, as partículas virais replicam-se nos macrófagos e disseminam-se pela via linfática local, para tonsilas e linfonodos bronquiais.
Entre dois e quatro dias pós-infecção, o número de partículas virais aumenta nas tonsilas, nos linfonodos retrofaríngeos e bronquiais, mas um número baixo de células mononucleares infectadas é encontrado em outros órgãos linfoides.
No período de quatro a seis dias, ocorre a replicação do vírus da cinomose no sistema linfoide, na medula óssea, no timo, no baço, nos linfonodos mesentéricos, nas placas de Peyer, nas células estomacais, nas células de Kupffer e nas células mononucleares ao redor dos vasos pulmonares e bronquiais. A ampla proliferação nos órgãos linfoides induz um aumento inicial na temperatura corporal, entre o segundo e o sexto dia, determinando leucopenia, causada por danos virais nas células linfoides, afetando as células T e B.
A disseminação do vírus da cinomose no epitélio e no tecido nervoso ocorre entre 8 e 10 dias pós-infecção, por via hematógena e/ou pelos sítios de produção de liquor, dependendo da resposta humoral ou celular do animal.
Títulos intermediários de anticorpos podem proteger o animal da cinomose sistêmica, mas não são suficientes para bloquear a infecção do SNC, e essa disseminação pode ocorrer com 9 a 14 dias pós-infecção.
PATOGENIA DA IMUNOSSUPRESSÃO
Linfopenia prolongada e depleção linfoide sistêmica compõem o quadro característico da infecção pelo vírus da cinomose. Muitas vezes, o quadro de cinomose está associado às infecções fatais, com consumo de linfócitos T e B. A infecção resulta em leucopenia devido à linfopenia que se inicia uma semana após a infecção. Segundo estudos, a queda significativa de linfócitos ocorre antes da viremia, três dias após a infecção viral.
A linfopenia em animais infectados ocorre pela habilidade do vírus da cinomose em se replicar e destruir tecidos linfoides. A replicação viral nessas células causa extenso período de imunossupressão, durante o qual podem ocorrer infecções oportunistas que agravam o quadro clínico.
A determinação do número de linfócitos tem valor prognóstico no desenvolvimento da cinomose.A imunossupressão e a resposta imune anormal contribuem para a susceptibilidade às infecções secundárias, que podem influenciar bastante a morbidade e a mortalidade da doença.
NEUROPATOGENIA
Sugere-se que a infecção do SNC ocorre precocemente na fase sistêmica da cinomose. Nesse caso, há progressão da doença sistêmica para neurológica, aparentemente por falha do sistema imune, e os sinais clínicos são polimórficos.
O curso clínico e neuropatológico da encefalomielite está relacionado com a variedade da cepa viral e a idade do animal.
A diferença entre o tipo de lesão desenvolvida por filhotes e adultos pode ser tênue. Embora possa haver maior frequência de desmielinização em filhotes, deve-se levar em consideração que eles também desenvolvem lesões mais crônicas, assim como cães adultos podem desenvolver lesões agudas.
A difusão viral depende do grau de resposta imune sistêmica do hospedeiro e da presença de anticorpos virais.
Encefalite aguda
A encefalite é considerada aguda quando a resposta imune antiviral neutralizante está ausente.
A encefalite aguda pode ocorrer em pacientes jovens ou imunossuprimidos e é caracterizada por injúria viral direta. O vírus causa lesão multifocal nas substâncias cinzenta e branca.
Encefalite multifocal de cães adultos
A encefalite multifocal de cães adultos acomete, frequentemente, animais imunocompetentes e possui curso crônico. Nessa forma, a doença neurológica não é precedida pelos sinais sistêmicos nem é coincidente com eles, como é observado em cães jovens.
A desmielinização crônica coincide com a recuperação do sistema imune, entre seis e sete semanas pós-infecção, que se apresenta, inicialmente, nas lesões induzidas pelo vírus no cérebro. A resposta inflamatória nas lesões desmielinizantes pode levar à progressão da destruição tecidual.
Persistência viral
Na persistência viral, o vírus permanece em áreas na camada branca fora das lesões inflamatórias desmielinizantes, no desenvolvimento progressivo da doença crônica, se a resposta imune for mais lenta do que a replicação viral.
Encefalite do cão velho
A encefalite do cão velho é observada em cães que adoeceram e se curaram da cinomose. É uma forma rara, crônica, de caráter inflamatório progressivo na camada cinzenta dos hemisférios cerebrais e do tronco encefálico, resultante da persistência viral nos neurônios após infecção aguda pelo vírus da cinomose.
Encefalite pós-vacinal
A encefalite pós-vacinal ocorre de forma esporádica e está associada ao uso de vacinas atenuadas de vírus vivo, acometendo, em geral, cães com menos de seis meses de idade. Provavelmente, ocorre por insuficiente atenuação do vírus, desencadeamento de infecção subclínica latente ou aumento da susceptibilidade do animal.
Outras formas de apresentação da infecção viral
Se a fêmea estiver gestante, pode haver infecção transplacentária e neonatal. Na infecção transplacentária, os filhotes desenvolvem sinais neurológicos entre a quarta e a sexta semana de vida. A cadela pode apresentar enfermidade de gravidade mediana ou inaparente.
Dependendo do estágio da gestação em que ocorre a infecção transplacentária, pode haver abortos, neonatos mortos e filhotes fracos. Durante a infecção neonatal, podem ocorrer hipoplasia de esmalte dentário, lesões cardíacas e oftálmicas.
SINAIS CLÍNICOS
Os cães clinicamente acometidos pela cinomose encontram-se com as seguintes características epidemiológicas:
- Falta de vacinação ou doses incompletas
- Vacinas inapropriadas
- Colostro da mãe com títulos inadequados de anticorpos ou a falta deles
- Imunossupressão
- História de exposição a cães infectdos
Após o período de incubação de seis dias ou mais, surge a primeira fase clínica da cinomose, que geralmente passa despercebida ao proprietário e corresponde à ocorrência de pico febril e ao comprometimento dos órgãos linfoides, culminando com:
- Hipertermia de até 41ºC
- Anorexia
- Congestão conjuntival discreta
- Corrimento seroso ocular e nasal
Após dois a três dias, se houver progressão do vírus da cinomose por falta de anticorpos, haverá disseminação viral para as células epiteliais e o segundo pico febril.
Na cinomose, poderão ocorrer sinais clínicos digestórios, respiratórios ou neurológicos isoladamente, conjuntamente ou alternadamente. Os sinais neurológicos podem surgir após uma a duas semanas do início dos sinais sistêmicos ou até três a quatro meses do final deles.
O envolvimento sistêmico acontece em um terço dos casos com alterações neurológicas. Um estudo encontrou 40% dos cães com apresentação neurológica sem mioclonias e sem apresentação sistêmica.
A presença de acometimento neurológico significa que entre 30% e 40% dos cães com cinomose ainda vão desenvolver sinais sistêmicos, como respiratórios e gastrentéricos.
SINAIS RESPIRATÓRIOS
Os sinais respiratórios associados à cinomose incluem:
- Descarga nasal de serosa a mucopurulenta
- Tosse úmida e produtiva
- Crepitações na auscultação pulmonar
- Espirros
SINAIS OCULARES
Entre os sinais oculares da cinomose, estão:
- Secreção serosa à mucopurulenta
- Alopecia palpebral
- Congestão conjuntival
Os sinais oculares da cinomose ocorrem em consequência da ceratoconjuntivite seca por diminuição na produção de lágrimas.
O vírus da cinomose acomete o epitélio do ducto lacrimal, causando edema e diminuição da excreção de lágrimas. Pode ocorrer também infecção bacteriana secundária e lesões oculares mais graves.
Ceratoconjuntivite seca |
SINAIS GASTRENTÉRICOS
Os sinais gastrentéricos da cinomose incluem:
- Anorexia
- Vômitos intermitentes
- Diarreia com ou sem sangue
- Desidratação
Além do acometimento do epitélio gastrentérico pelo vírus da cinomose, os sinais gastrentéricos também podem surgir por infecções bacterianas secundárias, uso prolongado de alguns antimicrobianos e/ou infecções parasitárias e protozoárias.
SINAIS DERMATOLÓGICOS
Entre os sinais dermatológicos da cinomose, estão:
- Descamação de pele
- Pústulas abdominais
- Hiperqueratose de coxins e plano nasal
Paciente com hiperqueratose de coxins |
Independentemente da ocorrência de lesões neuropatológicas, a infecção do sistema nervoso pelo vírus da cinomose pode levar a uma variedade de sinais neurológicos.
Convulsões e mioclonias são sinais típicos de lesões da substância cinzenta do SNC, ao passo que déficits visuais e dificuldades motoras são sinais de lesões na substância branca.
As convulsões tipo "goma de mascar" classicamente associadas com a infecção pelo vírus da cinomose, ocorrem frequentemente em cães que desenvolvem poliencefalomalácia dos lobos temporais.
As mioclonias ou contrações tônico-clônicas são sinais comuns na cinomose e podem estar presentes quando não há outros sinais neurológicos. Acometem um músculo ou grupo de músculos, como auriculares, temporais, retro-abdominal e flexores dos membros.
O mecanismo neural para as mioclonias origina-se pela irritação local de neurônios motores da medula espinhal ou núcleo de nervos cranianos. As mioclonias são consideradas um sinal característico da cinomose; porém, podem ser encontradas em outras doenças inflamatórias.
Hiperestesia e rigidez cervical podem ser encontradas em cães como resultado de inflamação das meninges. Entretanto, sinais de lesões encefálicas são predominantes em relação aos sinais meningeais.
Quando há acometimento da medula espinhal, paresia e ataxia são os únicos sinais neurológicos. Cegueira uni ou bilateral e midríase ocorrem em decorrência do envolvimento do trato óptico, que é bastante comum.
Os sinais neurológicos mais comuns na cinomose são:
- Convulsões focais ou generalizadas
- Atrofia da musculatura temporal e massetérica
- Estrabismo
- Desvio de cabeça
- Ptose palpebral, labial e auricular
- Midríase ou miose
- Paresia ou paralisia flácida ou espástica
- Quedas espontâneas
- Balançar de cabeça e corpo
- Tremores
- Nistagmo
- Mioclonias
- Ataxia
- Déficits de propriocepção
- Apatia, estupor ou coma
- Andar compulsivo
- Andar em círculos
- Pressionamento da cabeça contra objetos
- Hiperestesia
- Retenção ou incontinência urinária
- Cegueira uni ou bilateral
Estrabismo |
Paciente apresentando sinais neurológicos |
PATOLOGIA CLÍNICA
Para estabelecer a patologia clínica da cinomose, estão indicados hemograma, exames bioquímicos, exame de liquor e investigação de achados anatomopatológicos.
HEMOGRAMA
Os achados hematológicos frequentes na cinomose são linfopenia, em combinação com leucopenia ou leucocitose, anemia, monocitose e, menos comumente, trombocitopenia. O leucograma é mais variável, e as infecções bacterianas oportunistas no trato digestório e respiratório determinam leucocitose por neutrofilia e desvio à esquerda.
Sabe-se que a resposta hematológica pode variar de um indivíduo para outro, bem como a fase da infecção viral pela cinomose. A anemia pode ser atribuída ao aumento da destruição dos eritrócitos ou à diminuição de sua produção.
A linfopenia é uma característica consistente, mas pode estar ausente em alguns casos. A linfopenia absoluta é causada pela depleção dos tecidos linfoides e depende da característica imunossupressora da cepa viral.
A trombocitopenia é um achado frequente e sugere-se que, na infecção pelo Morbilivirus, ocorra aumento de anticorpos antiplaquetas e a trombocitopenia seja imunomediada com remoção das plaquetas pelo sistema reticuloendotelial.
As inclusões citoplasmáticas denominadas corpúsculo de Lentz ou de Sinigaglia-Lentz, que aparecem em algumas células do sangue, em pequeno número nos linfócitos, nos neutrófilos e nas hemácias, possuem particular relevância no diagnóstico clínico da cinomose. A ocorrência dessas inclusões nas células do sangue evidencia a presença do vírus, mas, quando não encontradas, possuem pouco valor na determinação da ausência do vírus, já que são observadas somente na fase virêmica da doença.
EXAMES BIOQUÍMICOS
No exame bioquímico,os achados não são específicos na cinomose; porém, podem ocorrer hipoalbuminemia, hiperglobulinemia ou hipocalcemia. Evidente hipoglobulinemia é encontrada em filhotes infectados antes de nascer ou neonatos com imunossupressão persistente causada pelo vírus.
As lesões causadas pelo vírus no epitélio intestinal com consequente diarreia, além da própria apatia determinada pela cinomose, levam o paciente a recusar o alimento. Dessa forma, a diminuição da ingestão proteica, bem como o comprometimento intestinal, são fatores determinantes na redução dos níveis séricos da albumina na cinomose. A elevação plasmática das globulinas é frequente em várias reações inflamatórias.
EXAME DO LIQUOR
As características físico-químicas do liquor, como coloração, aspecto, densidade, ph e glicose, não são capazes de contribuir para indicar qualquer anormalidade liquórica nas diferentes fases da cinomose.
O componente proteico e a celularidade liquórica apresentam alterações importantes na presença de sinais neurológicos em pacientes com cinomose. Porém, a ausência dessas alterações não adiciona informações suficientes para a detecção precoce de lesões do SNC.
Lesões no tecido nervoso podem levar a aumento na concentração liquórica de creatinofosfoquinase(CP); além disso, a desmielinização também pode ser responsável por essa elevação. Em cães com cinomose, pode ocorrer o aumento dessa enzima, principalmente em animais com convulsões, como resultado da atividade muscular intensa.
Durante o estágio de desmielinização aguda, não ocorrem reações inflamatórias; consequentemente, a proteína e a celularidade podem estar normais.
A combinação de alguns sinais como inflamação conjuntival, secreção respiratória, diarreia e sinais neurológicos, com curso de três semanas ou mais, sugerem o diagnóstico presuntivo da cinomose. Em regiões endêmicas, a cinomose deve sempre ser considerada no diagnóstico de cães com alterações neurológicas, independentemente de tipo, curso, extensão e natureza da doença.
Vários testes foram avaliados em várias partes do mundo para o diagnóstico do vírus da cinomose, como:
EXAMES BIOQUÍMICOS
No exame bioquímico,os achados não são específicos na cinomose; porém, podem ocorrer hipoalbuminemia, hiperglobulinemia ou hipocalcemia. Evidente hipoglobulinemia é encontrada em filhotes infectados antes de nascer ou neonatos com imunossupressão persistente causada pelo vírus.
As lesões causadas pelo vírus no epitélio intestinal com consequente diarreia, além da própria apatia determinada pela cinomose, levam o paciente a recusar o alimento. Dessa forma, a diminuição da ingestão proteica, bem como o comprometimento intestinal, são fatores determinantes na redução dos níveis séricos da albumina na cinomose. A elevação plasmática das globulinas é frequente em várias reações inflamatórias.
EXAME DO LIQUOR
As características físico-químicas do liquor, como coloração, aspecto, densidade, ph e glicose, não são capazes de contribuir para indicar qualquer anormalidade liquórica nas diferentes fases da cinomose.
O componente proteico e a celularidade liquórica apresentam alterações importantes na presença de sinais neurológicos em pacientes com cinomose. Porém, a ausência dessas alterações não adiciona informações suficientes para a detecção precoce de lesões do SNC.
Lesões no tecido nervoso podem levar a aumento na concentração liquórica de creatinofosfoquinase(CP); além disso, a desmielinização também pode ser responsável por essa elevação. Em cães com cinomose, pode ocorrer o aumento dessa enzima, principalmente em animais com convulsões, como resultado da atividade muscular intensa.
Durante o estágio de desmielinização aguda, não ocorrem reações inflamatórias; consequentemente, a proteína e a celularidade podem estar normais.
PROGNÓSTICO
O prognóstico é reservado na fase sistêmica da cinomose, pois pode progredir para a fase neurológica. Nessa fase, a evolução clínica torna-se desfavorável porque tende a ser progressiva, raramente estacionando e levando a óbito em curso agudo ou crônico. Quando, eventualmente, o paciente sobrevive, pode ter sequelas.
DIAGNÓSTICO
A combinação de alguns sinais como inflamação conjuntival, secreção respiratória, diarreia e sinais neurológicos, com curso de três semanas ou mais, sugerem o diagnóstico presuntivo da cinomose. Em regiões endêmicas, a cinomose deve sempre ser considerada no diagnóstico de cães com alterações neurológicas, independentemente de tipo, curso, extensão e natureza da doença.
Vários testes foram avaliados em várias partes do mundo para o diagnóstico do vírus da cinomose, como:
- Reação de imunofluorescência direta
- Isolamento viral
- Teste de soroneutralização
- Reação em cadeia pela polimerase(PCR)
- Ensaio imunoenzimático(ELISA)
TRATAMENTO
Apesar de não existirem muitos estudos recentes sobre o tratamento da cinomose, recomendava-se a administração de soro hiperimune(gamaglobulinas específicas), distribuindo-o em vários locais por via subcutânea, em dose única. A ação do soro hiperimune é, fundamentalmente, de soroneutralização de todos os vírus livres e que se libertam eventualmente dos tecidos.
O soro homólogo permanece ativo no animal por 15 a 30 dias, baixando seu título gradativamente e formando complexos antígeno-anticorpo com o vírus, por metabolização e eliminação progressiva.
Quando há alterações no sistema nervoso, o soro hiperimune pode não impedir o avanço da cinomose, pois apenas neutraliza os vírus circulantes, não atuando sobre as partículas virais que ultrapassam a barreira hematoencefálica.
Se o paciente já foi vacinado pelo menos uma vez, deve-se aplicar uma dose de vacina monovalente, que poderá estimular células-memória e rapidamente produzir imunidade ativa. A utilização desse recurso deve ser estudada caso a caso, pois na aplicação clínica, a imunoestimulação pode favorecer o combate ao vírus; porém, no caso do soro hiperimune e da formação de imunocomplexos, pode haver deposição na barreira hematoencefálica, causando aumento da permeabilidade e favorecimento da entrada de mais partículas virais no SNC.
A imunoestimulação deve ser utilizada nas fases iniciais da cinomose sem sinais neurológicos.
Animais com infecção no trato respiratório superior ou pneumonia, que frequentemente é causada por complicações bacterianas secundárias, devem ser tratados com antimicrobianos de amplo espectro. Podem ser utilizados também expectorantes ou nebulização.
Nos casos de diarreia grave, devem-se usar antidiarreicos complexos que contenham pectina, caolim ou outros adsorventes. Comida, água e medicamentos orais devem ser suspensos caso haja vômito e diarreia, e antieméticos parenterais devem ser utilizados.
A hidratação pode ser necessária e é preciso que seja realizada com solução de Ringer lactato para hidratar e, ao mesmo tempo, manter o equilíbrio eletrolítico. Podem-se adicionar 2,5% a 5% de glicose ao Ringer e administrá-la como fonte energética para animais anoréxicos.
Anticonvulsivantes devem ser utilizados, como o fenobarbital, na dose de 2,5 mg/kg pelas vias IV, intramuscular(IM), ou oral(VO), a cada 12 horas, nos pacientes com cinomose que desenvolverem convulsões focais ou generalizadas.
A terapia com glicocorticoides com dosagens anti-inflamatórias pode ter algum sucesso nos pacientes que desenvolverem inflamação crônica da encefalite pelo vírus da cinomose.
A principal desvantagem dos esteroides é a imunossupressão causada por eles porque a resposta inflamatória é responsável por combater o vírus. Quando associada com a ribavirina, a sobrevida dos animais foi para 70%; porém, foi encontrado um efeito colateral, a anemia.
Outras medidas terapêuticas apropriadas podem ser recomendadas ou executadas, conforme a gravidade da cinomose, a saber:
- Vitamina A para proteção e regeneração de epitélios
- Vitamina C como fator trófico dos tecidos mesenquimais
- Vitaminas do complexo B como tônicas e regeneradoras da fisiologia nervosa, para antialgia e mielopoiese e estimulante de apetite.
O dimetilsulfóxido (DMSO) minimizou os efeitos colaterais da ribavirina.
Recomenda-se que, enquanto forem mantidas altas doses de ribavirina, o DMSO seja associado ao tratamento da cinomose.
TRATAMENTO DE CÃES COM SEQUELAS DA CINOMOSE
Os animais que sobrevivem à cinomose com sinais neurológicos podem ficar com sequelas, como paresias, mioclonias intensas, déficits de propriocepção e ataxia, que podem levar a um quadro de atrofia e contraturas musculares, rigidez articular e encurtamento de tendões.
As sequelas neurológicas e osteomusculares da cinomose devem ser tratadas com fisioterapia e acupuntura.
PROFILAXIA
As vacinas preparadas em cultivo celular de cães induzem imunidade em quase 100% dos cães vacinados contra cinomose.
A atual estratégia vacinal para a cinomose é baseada em múltiplas doses de vacinas, administradas a intervalos de três a quatro semanas, em razão das dificuldades de mensurar os títulos de anticorpos do filhote de forma rotineira.
Após a administração da primeira dose de vacina, os cães já apresentam títulos de anticorpos em níveis protetores, e, após a revacinação anual, os títulos perduram por mais de 12 meses. Então, preconiza-se a vacinação anual em cães provenientes de áreas endêmicas, como o Brasil.
Alguns autores sugerem que as falhas vacinais podem ocorrer por múltiplos fatores, como:
- Interferência de anticorpos passivos
- Falhas individuais na resposta imune
- Qualidade; conservação e variabilidade antigênica do imunógeno
- Infecção anterior à vacinação
As vacinas de vírus vivo atenuado contra cinomose induzem boa resposta em cães; porém, podem induzir infecção virulenta em outras espécies.
Foi comprovado experimentalmente que a vacina de DNA pode induzir a produção de altos níveis de anticorpos neutralizantes e uma completa proteção contra o vírus da cinomose no hospedeiro natural. Porém, autores relatam que a maior desvantagem da vacina recombinante é a pequena duração da imunidade quando comparada com a vacina de vírus vivo atenuado convencional.
Existem fatores que interferem na resposta do hospedeiro à vacinação, como:
- Parasitismo
- Massa antigênica ou título vacinal
- Grau de atenuação do antígeno viral
- Anticorpos transferidos pelo colostro
- Utilização de soros hiperimunes
- Capacidade de resposta
- Estado nutricional
- Imunodeficiência
- Aclimatização
FONTE:
Mangia SH, AraujoMB. Cinomose: como melhorar o prognóstico dos pacientes e reduzir a propagação da doença? In: Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais; De Nardi AB, Roza MR, organizadores. PROMEVET Pequenos Animais: Programa de Atualização em Medicina Veterinária: Ciclo 1. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2015. p. 91-150. (Sistema de Educação Continuada à Distância; v.1).
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